A Vara do Trabalho de Caratinga, em Minas Gerais, proferiu duas decisões envolvendo o grave acidente ocorrido em 21 de dezembro de 2024, na BR-116, que deixou 41 mortos, incluindo o motorista de um ônibus da empresa EMTRAM – Empresa de Transportes Macaubense Ltda. O veículo seguia de São Paulo para Vitória da Conquista (BA) quando colidiu com uma carreta carregada com bloco de pedra, que trafegava na contramão. O impacto causou um incêndio e comoção nacional às vésperas do Natal.
Apesar de o laudo da Polícia Rodoviária Federal apontar falhas graves da carreta — como excesso de carga, pneus desgastados e CNH suspensa do condutor —, o juiz Guilherme Magno Martins de Souza reconheceu a responsabilidade objetiva da EMTRAM com base no risco inerente à atividade de transporte interestadual de passageiros, conforme prevê o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
Na primeira ação, movida por dois filhos menores do motorista falecido, foi determinada uma indenização de R$ 360 mil, além de pensão mensal. Na segunda, os pais e três irmãos da vítima receberão R$ 210 mil. O magistrado destacou que motoristas profissionais estão expostos a riscos acima da média, o que justifica a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, mesmo sem culpa direta da empresa.
A tragédia motivou investigações criminais, debates sobre segurança nas estradas e reforçou a discussão sobre a responsabilidade das empresas em garantir a integridade de seus trabalhadores.
O que é dano-morte?
O dano-morte é a reparação pelo fato da morte em si. É um tipo autônomo de indenização que reconhece que a vida humana tem valor próprio — e que, quando ela é perdida por causa da conduta de terceiros (mesmo sem culpa, como nos casos de responsabilidade objetiva), isso gera o dever de indenizar os herdeiros. É um dano patrimonial ou extrapatrimonial que surge diretamente do falecimento da vítima, independentemente do sofrimento pessoal dos familiares.
Na decisão, o juiz conceituou o dano-morte como “um dano autônomo nos casos em que o ilícito ceifou a vida da vítima, tendo como fundamento a ofensa corporal que cessou com a morte. Tal dano cria um direito do falecido à indenização, que, na verdade, será transmitido aos herdeiros“. Ele acrescentou que, no direito comparado, países como Portugal, Itália, Alemanha e Espanha reconhecem o dano-morte, “pela lógica de que negá-lo significaria negar indenização à lesão mais grave possível (a morte)“.
Em uma das sentenças, o juiz reconheceu o dano-morte e determinou que a empresa pagasse R$ 120 mil, quantia a ser dividida entre os dois filhos menores do motorista falecido. O magistrado fixou essa quantia com base na idade do trabalhador falecido, na sua expectativa de vida, e na jurisprudência atual. Essa indenização se soma ao dano moral em ricochete.
O que é dano moral em ricochete?
Conforme explicou o juiz, o dano moral em ricochete (também chamado de dano reflexo ou indireto) é o sofrimento psicológico e emocional suportado pelos familiares ou pessoas próximas de uma vítima direta, como no caso da morte de um ente querido. É um dano que “ricocheteia” da vítima direta para terceiros, causando a eles dor, tristeza, angústia ou abalo psíquico — e por isso também pode ser indenizado.
“Destaca-se que o dano moral em si a ser analisado é reflexo (em ricochete) e presumido porque inquestionável a dor de quem perdeu um ente familiar, sobretudo que faleceu em uma situação que causa impacto, inclusive social, com repercussões midiáticas, indicando um importante parâmetro de intensidade da dor sofrida pela perda abrupta que não pode ser desprezada”, completou.
Na primeira sentença, o juiz condenou a empresa ao pagamento de R$ 120 mil a cada filho do motorista, reconhecendo o sofrimento pela perda do pai em uma tragédia de grandes proporções, que ocorreu pouco antes do Natal. Essa indenização não se refere à morte em si (já indenizada pelo dano-morte), mas sim à dor sofrida pelos filhos, ou seja, é o dano moral em ricochete. Na segunda sentença, os pais e três irmãos foram contemplados com R$ 210 mil, também por dano moral em ricochete.
Sentença 1 – Filhos do motorista
No primeiro processo, movido por dois filhos menores do motorista morto, sendo os menores uma criança de 9 anos e um adolescente de 17 anos, representados pelas mães deles, o juiz fixou:
– R$ 120 mil para cada filho por dano moral em ricochete (sofrimento pela perda do pai);
– R$ 120 mil por dano-morte, quantia a ser dividida entre os dois filhos menores do motorista falecido;
– Pensão mensal correspondente ao valor da última remuneração da vítima até que completem 24 anos de idade, com garantia por constituição de capital.
Segundo o magistrado, os valores das indenizações deverão ser depositados em caderneta de poupança, assegurando a proteção financeira dos beneficiários. A justiça gratuita foi concedida e a empresa também foi condenada a pagar os honorários dos advogados dos autores.
Sentença 2 – Pais e irmãos do motorista
A segunda decisão envolveu os pais e três irmãos do motorista morto no acidente. Nesse caso, os autores desistiram do pedido de indenização por dano-morte, e o juiz reconheceu apenas o dano moral indireto (em ricochete). O julgador fixou os seguintes valores: R$ 30 mil para cada irmão e R$ 60 mil para o pai e R$ 60 mil para a mãe do trabalhador falecido, totalizando R$ 210 mil.
A decisão destacou o abalo emocional causado pela tragédia, especialmente por ter ocorrido às vésperas do Natal, e considerou os vínculos afetivos comprovados entre os autores e o motorista falecido. A justiça gratuita foi concedida e a empresa foi condenada a pagar os honorários dos advogados dos autores.
Valor total das indenizações
Em síntese, a indenização total concedida aos familiares do motorista é de R$ 570 mil, dividida em duas ações. Os filhos do motorista, de 9 e 17 anos, receberão R$ 120 mil cada um, por dano moral em ricochete, e mais R$ 120 mil por dano-morte, totalizando R$ 360 mil. Além disso, a empresa deverá pagar uma pensão mensal de R$ 2.473,00 aos filhos até que completem 24 anos. Os pais do motorista receberão R$ 60 mil por dano moral em ricochete, enquanto os três irmãos receberão R$ 30 mil cada, somando R$ 210 mil.
Ambas as decisões reforçam o entendimento de que a empresa é responsável por acidentes ocorridos no exercício de atividades perigosas, mesmo sem culpa direta, e que os familiares têm direito à reparação pelo sofrimento causado.
- PJe: 0010022-81.2025.5.03.0051 (ATOrd) — Data de Assinatura: 4/4/2025
- PJe: 0010028-88.2025.5.03.0051 (ATOrd) — Data de Assinatura: 4/4/2025